Plêiade de utopias mundanas

Desejo viver num mundo onde a minha cadela não desperdiça o seu curto tempo de vida a cheirar tudo o que vê, e urina e defeca sem que eu tenha de estar a suplicar aos seus intestinos, ao frio, de manhã. Por falar em utopias e na espécie canina, também seria interessante viver num mundo onde este pensamento não passasse pela cabeça de ninguém: "O meu Rottweiler é mesmo feroz. Giro seria passeá-lo sem trela pela rua. Olha, um indivíduo. Não sabia que nesta rua habitavam indivíduos além de mim. Ups! O Bobi avistou o indivíduo. Bobi, anda cá! Bolas! Lá se foi o focinho do indivíduo. Mau Bobi. Cão feio. Esse nariz não é de comer. Larga Bobi. Cão mau".
Caso este pensamento se verificasse, gostaria de viver num mundo onde posteriormente ao acontecimento provocado por este pensamento, o culpado fosse o autor do pensamento e não o Bobi. Até porque, vejamos, se alguém espatifar uma viatura contra uma outra viatura, de quem será a culpa? Do inocente veículo, ou do incompetente condutor? Acredito que haverá alguém que defenda que o volante deveria pagar uma indemnização, mas duvido que ele esteja em condições. "Espera assentado"! - Um conselho que se adequa perfeitamente a esta situação. E é também um belo conselho para mim que gostaria de viver num mundo onde o jornalismo não fosse corrupto e as revistas não fossem tão parolas. No mínimo, um mundo em que após ler o título "Jovem de 17 anos pratica relações sexuais com uma laranja", teria a certeza que a notícia seria sobre uma relação à base de vitamina C, e não sobre algo completamente diferente como o facto de um miúdo se ter engasgado a digerir um pepino. É que nem há sequer uma ligação ao nível da vitamina.

Há muitas outras contemporaneidades que me irritam. O jogo "Baleia Azul" é uma maleita cuja existência era escusada. Tudo bem que valoriza a forma literal de ditos populares como "Até à morte!" ou "Até que a morte nos separe!" e interpela-os de uma perspectiva totalmente diferente. Mas confesso que há provérbios que não merecem ser concretizados na sua forma literal, bastando apenas esmiuçar a sua componente metafórica. Ninguém gostaria de se ver transformado em puré de batata. Literalmente, nós não somos o que comemos. Respeitem o advérbio "literalmente"! E já agora, respeitem também o trabalho empregado pelos vossos pais na hora da vossa concepção. Andam dois indivíduos a sujar lençóis (não me referindo necessariamente ao sentido literal) para depois cortarem os pulsos. Não quero parecer velho, mas tenho saudades do tempo em que um jogo consistia na mutilação de personagens fictícias e no ganho de "experiência (XP)". Instalar uma aplicação (uma "app") para depois acabar todo cortado com o objectivo de ganhar um prémio final que eu sempre tentei evitar, a morte, é muito estúpido. O que caracteriza extraordinariamente a juventude moderna. Que nojo. E acham vocês que isso é "cool"? Não é. A sociedade está a atribuir um dos adjectivos mais bonitos a nível mundial, o "fixe", a bizarrias que mereciam um "foleiro". Peço que se concentrem nos feitos que realmente são merecedores do adjectivo. Por exemplo, fixe é a França ser presidida por um indivíduo que é casado com a professora que engatou na adolescência. "Ah! Patrão!" - Agora sim, literalmente. - Felizmente a maioria não apoiou o fascismo nem, como diriam os americanos, votou com a vagina. Na verdade, a maioria votou essencialmente contra a vagina e o Macron saiu vencedor. Claro que, ainda assim, nós temos o Éder, e agora, o Salvador (e a Luísa) Sobral. Por-tu-gal! (Não foi por coincidência que o número da maravilhosa actuação dele corresponde ao número da camisola do autor do derradeiro golo.) 

Para finalizar, adoraria que parassem de tirar proveito da minha altura. Cambada de interesseiros. A literatura, o cinema e a música ensinaram-me que a altura é a chave para conquistar corações. A vida ensinou-me que a altura é a chave para chegar às prateleiras mais altas, literalmente. E ainda me presenteou com algumas frases que me atormentam: "Estás tão grande!" e "Pá, o que é que te estão a dar, adubo?". Quanto à primeira, eu dispenso o entusiasmo. Os autores desta frase já sabiam que eu era alto. E à noite no escuro, não se vê, mas também sou. Eu não me deito e começo a crescer. Sou alto, a qualquer altura do dia. Relativamente à segunda frase, é a prova de que a agricultura está em decadência. Se eu ingerisse adubo, as pessoas não falariam da minha altura quando me vissem, mas sim da minha cor de pele e o segredo para ainda continuar vivo. Voltando aos interesseiros. Não nos usem. Nós também temos sentimentos, embora estejam muito lá em cima. Não queremos mais guardar toalhas em armários. Sim, mãe, esta é para ti. A ti que dizias que eu desarrumei, logo terei de arrumar, digo: "Tiras-te lá de cima, então põe lá em cima". Coloquem-se em bicos de pés, usem um escadote, qualquer coisa. Estou farto desta vida dedicada às arrumações. Quem me dera que houvesse algo que me facilitasse o acesso à morte e me livrasse deste tormento. Quem sabe um jogo. De preferência um cuja mascote fosse um animal marítimo de cor azul. Uma baleia, por exemplo.

Nota: Obrigado a todos que têm acompanhado e divulgado o blog. Como forma de agradecimento, e também para alcançar mais visibilidade, poderei publicar mais que uma crónica por semana. Irei publicar em dias aleatórios com o aviso prévio nas redes sociais. No entanto, as crónicas serão mais curtas (que é como devem ser) e esmiuçarão todo o tipo de assunto na resposta à pergunta - Mundo, Pra Onde Vais?! Espero que gostem. Continuem desse lado. Ah! Sempre quis dizer isto...

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